Anúncios
A discussão sobre o imposto sobre grandes fortunas no Brasil não é nova, mas tem ganhado força em tempos de desigualdade social crescente e crises fiscais sucessivas. Trata-se de uma proposta que, embora prevista na Constituição de 1988, nunca foi efetivamente regulamentada.
O argumento central é simples: os mais ricos deveriam contribuir mais para que o Estado tenha condições de investir em saúde, educação e infraestrutura, aliviando o peso que hoje recai principalmente sobre a classe média e os mais pobres. No entanto, por trás desse raciocínio aparentemente justo, existe uma série de implicações econômicas, políticas e sociais que precisam ser analisadas com cuidado.
O que é, afinal, o imposto sobre grandes fortunas?

Anúncios
O imposto sobre grandes fortunas, ou IGF, é um tributo que incide sobre o patrimônio líquido dos indivíduos acima de determinado valor. Ao contrário de impostos sobre consumo ou renda, ele mira diretamente a riqueza acumulada, como imóveis, ações, joias, obras de arte e participações empresariais.
No Brasil, a Constituição autoriza a sua criação no artigo 153, inciso VII, mas sua implementação depende de uma lei complementar, que nunca foi aprovada. Vários projetos tramitam no Congresso há décadas, propondo alíquotas progressivas que variam entre 0,5% e 3% ao ano, dependendo do valor do patrimônio.
Anúncios
Embora muitos acreditem que essa seria uma maneira eficaz de combater a desigualdade e reforçar os cofres públicos, há obstáculos consideráveis para a sua aplicação. Primeiro, a complexidade de avaliação dos bens de alto valor e a tendência de evasão fiscal. Há ainda a necessidade de mecanismos robustos de fiscalização que evitem brechas legais e garantam a efetiva tributação das fortunas.
Segundo, a estrutura jurídica e contábil que muitos ricos utilizam para ocultar ou dividir patrimônio entre familiares e empresas, o que pode reduzir consideravelmente o potencial de arrecadação. Por fim, há o risco de uma sobreposição de tributos, considerando que o Brasil já possui uma carga pesada sobre a renda e o consumo, o que pode tornar o sistema ainda mais ineficiente.
Mesmo com essas limitações, o IGF é defendido por muitos economistas como uma ferramenta de justiça fiscal. Estudos apontam que, em países onde foi implementado de forma eficiente, como Noruega e Suíça, a medida ajuda a financiar políticas públicas sem comprometer o crescimento.
No entanto, há também exemplos negativos, como França e Alemanha, que revogaram o imposto devido à baixa arrecadação e à dificuldade de manter os recursos no país. Isso mostra que a viabilidade do IGF depende fortemente do contexto econômico, da transparência institucional e da forma como é implementado.
Os possíveis efeitos na economia brasileira
Implementar um imposto sobre grandes fortunas no Brasil teria impactos diretos e indiretos sobre a economia nacional. Em primeiro lugar, há a expectativa de aumento da arrecadação pública, ainda que modesta. Estimativas apontam que o IGF poderia gerar algo entre R$ 40 bilhões e R$ 100 bilhões por ano, dependendo da faixa de isenção e das alíquotas aplicadas.
Esses recursos, se bem direcionados, poderiam fortalecer programas sociais, reduzir déficits fiscais e diminuir a necessidade de cortes em áreas sensíveis como saúde e educação. Uma gestão eficiente dessas verbas pode também estimular a economia por meio do aumento do investimento público e do consumo das camadas mais pobres.
No entanto, essa arrecadação extra pode vir acompanhada de efeitos colaterais significativos. Um dos principais receios é a evasão de capitais. Grandes fortunas possuem mobilidade elevada, e seus detentores podem transferir investimentos para paraísos fiscais ou países com tributação mais favorável.
Além disso, empresas familiares e investidores podem ser desestimulados a expandir negócios no Brasil, prejudicando a geração de empregos e o crescimento econômico. A burocracia envolvida na declaração e fiscalização do patrimônio também é um fator de preocupação, pois pode sobrecarregar ainda mais a já complexa estrutura tributária brasileira.
Outro ponto relevante é o impacto simbólico do imposto. Mesmo que a arrecadação não seja gigantesca, a criação do IGF poderia enviar uma mensagem de compromisso com a justiça fiscal e a redistribuição de renda. Isso teria um peso político importante em um país com uma das maiores concentrações de renda do mundo.
A medida poderia ainda funcionar como um catalisador para a reforma tributária mais ampla, estimulando o debate sobre a simplificação e progressividade do sistema de impostos. No entanto, tudo isso depende da forma como o imposto é apresentado à sociedade e implementado pelo Estado.
Desafios políticos, sociais e institucionais
A implementação do imposto sobre grandes fortunas enfrenta não apenas desafios técnicos, mas também uma forte resistência política. Parlamentares ligados ao setor financeiro e empresarial tendem a rejeitar a proposta sob o argumento de que ela afugentaria investimentos e prejudicaria o ambiente de negócios.
Adicionalmente, o lobby das grandes fortunas no Brasil é poderoso, influente e frequentemente contrário a qualquer iniciativa que implique aumento de carga tributária. Isso cria um cenário onde o avanço da pauta depende quase exclusivamente da pressão popular e da articulação de movimentos sociais.
Do ponto de vista social, o IGF tende a ser bem recebido pela maioria da população, especialmente pela classe média, que frequentemente sente o peso da carga tributária de forma mais intensa. No entanto, é necessário cuidado para que essa aceitação não se baseie apenas em discursos populistas.
A efetividade da proposta dependerá de sua transparência, da confiança nas instituições responsáveis pela arrecadação e da certeza de que os recursos serão de fato bem utilizados. Nesse sentido, o Brasil precisa avançar em mecanismos de controle social, auditoria e prestação de contas para que a medida tenha legitimidade.
Do ponto de vista institucional, o maior desafio é construir um modelo de cobrança eficiente, justo e transparente. É necessário definir critérios claros para avaliação dos bens, garantir acesso a bases de dados confiáveis e investir em tecnologia para cruzamento de informações.
Também é fundamental preparar a Receita Federal para lidar com esse novo tipo de tributo, evitando abusos e garantindo segurança jurídica. Sem esse preparo, há o risco de o IGF se tornar mais um tributo ineficaz, que gera insegurança jurídica e não cumpre seu papel social e fiscal. Um sistema mal estruturado pode descredibilizar a proposta e gerar ainda mais resistência por parte da sociedade e do setor privado.